Eu sou Calx!

 

 

Eu sou Calx! Ou Pedro como gosto que me chamem, embora o meu primeiro nome seja mesmo é Rui. Na PtNet, sou Calx, sou Tha, sou BombIsrael. Eu gosto de nomes e alcunhas; Quando mudo, é quase como um novo começo, uma nova oportunidade. Não que alguma vez tenha valido de nada, porque o que sou não se altera por mudar o rótulo à embalagem. O que até tem o seu lado positivo; talvez signifique que o que o que outros me chamam e dizem de mim também não seja verdade. Por exemplo, a minha mãe chama-me inútil, o meu patrão de imbecil, a minha ex-namorada de frouxo, na escola chamavam-me cága-tacos e Topo Gigio... Mas nem sempre assim foi, após um certo incidente houve quem me chamasse por punheteiro, vá se lá saber porque.

 

Eu sou uma pessoa medíocre; a minha vida é estar em casa, trabalhar e ler o jornal no chiado. Nada me é mais importante do que a segurança do ninho de meus pais. Quando a vida não me corre de feição, a saia da minha mãe é o único lugar do mundo onde eu consigo suportar a minha patética existência; e dai, em meu território, eu posso mostrar ao mundo tudo o que sou capaz, e que ninguém consegue fazer frente à birra do trintão mimado. Não é mau de todo, mas afinal esta vida é uma oportunidade única que nos dão e é bom apanhar uns choques eléctricos pelo meio.

 

Já lá vão 34 anos em que me arrasto neste mundo, sempre a bater com a cabeça contra todas as paredes que se me atravessam à frente. Resultado? Cada nova manhã, maior é o esforço que tenho que fazer para me conseguir olhar ao espelho. Sim, porque eu sou mesmo um triste espectáculo, 34 anos no BI, 70 de corpo e 12 de cabeça... enfim, o pior de todos os mundos. Sair da cama cada vez mais é um sacrifício, tanto mais que o que gostava mesmo era de dormir para sempre.

 

Não há psiquiatra que ainda não tenha tentado para obter uma qualquer explicação científica para a minha condição. Explicação, e um atestado que me possibilitasse ficar o resto da vida entre cama e PC, e dedicar-me a tempo inteiro aos meus hóbis perdiletos. Masturbação, queixar-me de ter azar na vida e ter pena de mim próprio. No entanto, todos me dizem é para ganhar vergonha na cara e crescer.

 

Como dizem, a vida são dois dias, e à que aproveitá-la ao máximo; portanto nunca deixo escapar uma oportunidade para clamar do fundo da minha insignificância "Eu voto Hezbollah!" qual grito de "Por favor... Reparem em mim!"; o que eu gostava mesmo era que alguém me desse um bocadinho de atenção! Mas no fim do dia, quem é que se importa com a opinião de um Zé-Ninguém como eu? Nem o próprio Hezbollah, que me disse que não tenho qualificações suficientes para bombista... E quem diria que até para isso é preciso mais do que o 9º Ano? Ainda por cima a coisa é mesmo complicada... correr para uma multidão e primir o botão vermelho; tentei com cábulas, mas nem assim! "Vai mas é fazer algo que qualquer anormal consiga, como suporte telefónico ao cliente ou qualquer coisa do género" disseram-me eles...

 

Mas nem isso me deteve, rejeição é uma velha companheira que me acompanha desde o berço; quem sobreviveu a um aborto sabe bem de que falo. Já trabalhei em mais de metade das bombas de gasolina e garagens de Lisboa e Almada e fizeram-me redundante de todas elas, aliás, redundante e incompetente são os dois termos mais utilizados para me descrever; mas nada me detém... enquanto houver algum galho que mais ninguém queira fazer, seja ele vender taludas no barco de Almada ou a engraxar sapatos no chiado, é uma janela de oportunidades que se abre para mim, qual abutre em luta pela sobrevivência.

 

Sobrevivência sim! Porque isto não é de certo viver, pelo menos não num sentido filosófico. Pouco mais sou do que um vegetal, tal é a minha inapetência para lidar com o mundo que me rodeia. À quem diga que sou cyber-urbano-depressivo, mas é por não me compreenderem bem, porque sou mesmo é labrego-desenquadrado. A vida na Cova da Piedade é de longe demasiado eclética para mim, porque eu gostava mesmo era de viver num algures tipo Santa-Combadão e ser guardador de ovelhas. Há algo nesse magnifico animal que solta o lobo que há em mim!

 

Mas é no cyber que me revelo completamente. Na PtNet sou Calx, na PtNet sou alguém. Ó, mas que belo que é, um mundo de oportunidades que se abre para mim, onde até um pseudo-analfabeto pode ser operador do canal #livro, e onde posso criar a ilusão a terceiros de que sou mesmo alguém! Nada me delicia mais do que andar a saltar entre o site da All Music e o SoulSeek e surpreender tudo e todos com a minha extensa cultura musical, isto claro, enquanto oiço uma qualquer música de elevador que não ofenda a minha inteligência.

 

E o belo sexo? As pitas rejeitadas de terceira categoria que pela PtNet vagueiam, desesperadas para perder a virgindade antes que a menopausa as apanhe; de facto, por vezes tão desesperadas que por vezes chegam a considerar-me exequível. Pelo menos faz-me sonhar por uns momentos que nesta vida miserável ainda haja alguns restos para mim. Claro que esse sonho acaba como sempre; lençóis sujos, e a minha mãe a arrastar-me pela orelha para o duche enquanto me recita o dicionário de calão alentejano.

 

Eu gostava mesmo era de ser uma pessoa a sério... acreditar que dentro mim que existe algo mais que dê significado à minha existência patética do que a voz da minha mãe que me ordena "Ó Rui, vai levar o lixo à rua!". Ser uma daquelas pessoas que quando passam na rua dentro do seu Mercedes ou BMW fazem toda a gente exclamar: "Olha! Lá vai o Sr. Arquitecto!"... no entanto, sempre que arrasto a minha figura enfezada, tímida e insegura pelas ruas não consigo deixar de ler nos olhares que me rodeiam: "Olha! Lá vai o filho da padeira! Coitado..."

 

Mas um dia irei fazer todos engolirem as palavras que disseram de mim. Irei escrever um livro! Sim, um livro. Não, daqueles com palavras! E nesse livro irei contar tudo o que aprendi na vida; e já tem título e tudo! “Kamasutra para masturbadores” irá ser... Se o Zé Cabra conseguiu, talvez eu também consiga, afinal, estamos em Portugal, terra da oportunidade!

 

 

Rui *Calx* Pedro Custódio